sábado, 12 de fevereiro de 2011

Palavras tuas, um sorriso meu - 10

"Eu tinha-a amado. Mesmo sem saber bem o que era isso. Tinha amado aquela rapariga desde a primeira vez que a vi, quando o coração me parou e eu pensei que estava a ter um ataque. Tinha-a amado de um jeito que não te sei explicar. Nunca lhe dei flores, nem postais, muito menos falei para ela. Era era linda. Linda demais para um pobre rapaz como eu. Quando se sentava no banco da praça, aos domingos à tarde com as amigas, o seu sorriso iluminava-me. A mim encantava-me só de a olhar. Uma vez, cheguei a perder-me nas ondas do cabelo dela. Ela ria e segredava às amigas como se eu não estivesse ali. Talvez ela não me visse. Talvez eu não existisse. Ou talvez ela fosse uma miragem. Mas eu tinha-a amado. Quando fui para a guerra continuei a amá-la. Nunca precisei de uma foto dela, ainda me lembro de cada contorno do seu rosto. Das curvas que imaginava que o seu corpo tivesse por debaixo dos vestidos floridos e compridos que usava. O meu cérebro fotografou-a. Desde o primeiro dia em que a vi. Quando voltei da guerra ainda a amei mais. E ela nunca o soube. Nunca lhe pude dizer como te disse a ti. Mas eu tinha-a amado mesmo. Sabia as horas a que ela ia à praça e ao mercado, e nunca tive relógio. Guiava-me pelo quanto gostava dela. Deitava-me e sonhava que passeava com ela de braço dado pela praia enquanto lhe sacava uma moeda de detrás da orelha. Outras vezes sonhava que lhe dizia bom-dia quando ela entrava no autocarro para ir à vila. Nunca lhe falei. Ela nunca soube como era o timbre da minha voz. Talvez se tivesse apaixonado por ele. Nunca reparou que o ar, que nos salvava aos domingos na missa da manhã, era o mesmo. Nunca lhe disse, mas enquanto o padre dava o sermão eu sorria. «Pelo menos partilhamos o mesmo ar!», pensava para comigo. E isso deixava-me feliz, como um velho a quem dão mais dez anos de vida. Ela descia os degraus levitando e eu sustentava-me com o perfume que deixava. Eu tinha-a amado. Mais do que a qualquer outra coisa. Podia morrer já ali, na praça, nos degraus da igreja, durante o sermão do padre. Já a tinha amado. Já tinha vivido."

(Copiado de Advogada do Diabo)

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