domingo, 15 de maio de 2011

A obstinação é que é, definitivamente, genética*

Eu já me fartei, ao longo de anos na blogosfera, em sítios diferentes, de escrever sobre a minha avó, mas a mulher tem bué de histórias e, let's face it, faz-me uma falta do caraças. Além de bonita pra xuxu, era também talentosa. A minha avó era costureira. Se fosse hoje, a minha avó era estilista, uma vez que era ela, na maioria das vezes, que desenhava os modelos, os cortava e os confeccionava. Mas há 60 anos não havia estilistas. Havia costureiras e, upa upa, modistas. A minha avó era costureira. O que eu acho que nunca vos disse é que eu vivi com ela até aos 5 anos (e, se dependesse dela, lá ficaria até aos 18, altura em que iria para a faculdade, que ela tinha tudo já estabelecido).

Ora, uma menina a crescer numa quinta, já não era pêra doce que eu de anjo só tinha mesmo o aspecto. Agora, imaginem lá como é que se costura com um trambolhinho atrás. Tudo o que eu queria era aprender com ela a costurar. E devia ser chata para caraças, que eu era da idade do meu filho quando ela me ensinou a bordar. Não sem antes ter passado pela fase de descobrir os alfinetes e agulhas perdidos (se fosse hoje a protecção de menores, tinha-me tirado de lá!) que ela dizia que eu era mais eficaz que Santo António amarrado ou virado do avesso ou lá o que era.

Portanto, eu antes dos 10 anos, sabia bordar, tirar moldes e cortar. Tudo isto arrancado a ferros que ela não queria ensinar-me. Só houve uma coisa em que ela nunca vergou. A coisa que eu queria mais que tudo. Nunca me foi permitido usar as agulhas de coser. Por muito que eu lhe pedisse que me ensinasse a coser, ela sempre recusou. A máquina de costura, então, era absolutamente off-limits. Tudo o que eu quisesse, ela fazia-me mas jamais me ensinava. As minhas bonecas tinham enxovais completos. Mas feitos por ela! 

O argumento era simples. A neta dela nunca seria como ela. A neta dela nunca seria costureira. A neta dela ia para a universidade e não iria fazer vestidos para senhoras. E eu olhava para ela, altiva, arrogante, tão mais imponente que as senhoras que eu via no seu quarto de costura, e não entendia o que ela queria dizer. Se quem mandava naquele espaço era ela, se quem dizia como seria o vestido ou a saia ou o que quer que fosse era ela, se as senhoras a tratavam a ela por 'senhora dona' e ela se dirigia a elas pelo nome próprio, se era ela que tinha o poder de pegar num pedaço de tecido e fazer vestidos de noiva sem ser estilo suspiro gigante (ainda me lembro do vestido da Lurdes... Curto... Azul... Há 30 anos... E eu achei que era o vestido de noiva mais bonito do mundo...), porque é que eu não podia ser como ela? Porque não!

Portanto, eu cresci e fui para a universidade. Tudo de acordo com o plano. Mas também aprendi a coser tudo à mão. À minha custa que não havia cá ensinamentos para ninguém, à cautela. Muita agulha enfiei eu nos dedos. Muita caralhada disse eu. Se ela estivesse por perto, a única coisa que me dizia era: "Devias usar um dedal". Daí que as únicas coisas que me eram destinadas, à partida, em 'testamento' eram (i) a aliança de casamento dela porque só servia a mim e à minha irmã mas foi a mim que ela despachou o 'casamento' com a frase "vive com ele, está casada" e (ii) os dedais que sobraram após ser entregue um a cada um dos interessados. Será bom de ver que eu nunca usei um cabrão de um dedal e não tenciono usar mas a ironia da coisa é essa mesmo.

Este fim-de-semana, Picolé foi para a avó (santa sogra, abençoada hora em que me separei do filho dela que ganhei uma mãe!) para eu poder descansar das minha maleitas. Eu tinha umas fronhas novas engendradas para as almofadas da sala. Metade da 1ª almofada foi cosida à mãozinha. Mas depois pensei para comigo: "Ice Maria, tu compraste uma mini máquina de costura. Não deve ser preciso ser engenheiro da NASA para trabalhar com aquela merda..." Sim, demorei o dobro do tempo a coser a porra da metade que faltava. Desatinei. Estive prestes a atirar a máquina para o lixo. Gritei-lhe e chamei-lhe filha de uma senhora de cama incerta. Achei muitas vezes que de certezinha que ficaria mais perfeito se eu tivesse cosido à mão. Mas, no fim, saí vitoriosa. A fronha da almofada está ali altaneira e orgulhosa no sofá a olhar para mim e eu estou a olhar para o móvel da máquina de costura da avó que ocupa lugar de destaque na minha sala e serve de mesa para a aparelhagem. Estou a olhar e a pensar que um dia arranjo coragem e uso-a. A singer que existe há muito mais tempo que eu... Um dia**... 

*Há quem lhe chame teimosia...
**Mas sempre convencida que me vai cair um raio em cima!

2 comentários:

Rosa Negra disse...

Para quem não se pode (deve) enervar, isso é mesmo teimosia...
(estás melhor?)

Iceberg disse...

Teimosia? Só um bocadinho, Rosa. Só um bocadinho...

;)