quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Fernando Pessoa na sua vida amorosa - Um poeta verdadeiramente perturbado ou o mais refinado sacana?

Só se conhece um amor na vida real de Fernando Pessoa: a jovem de 20 anos Ophélia Queiroz, chama a atenção do poeta assim que se conhecem.

Apaixonados, têm uma das trocas de correspondência mais fascinante da história da literatura portuguesa. Começam a namorar. Muito passeiam eles de mão dada. Muitos bilhetinhos são trocados.

Aliás, o seu amor parece infindo até que... Há sempre um 'até que' ou um 'mas', não é?

Álvaro de Campos, o poeta do pragmatismo, decide interferir. A sua intromissão intimida Ophélia. Álvaro receia que por causa dela, Fernando se distancie da poesia.

Tudo isto pareceria uma vulgar história de amor e intriga, não fosse dar-se o caso de Fernando Pessoa e Álvaro de Campos serem uma e a mesma pessoa. Supostamente, numa conversa com Agostinho da Silva em 1934, Pessoa terá confidenciado que o seu romance com Ophelia não terá passado de um capricho seu. Queria ver como seria o romance de um simples empregado de escritório pela sua colega de trabalho. Um desejo de uma coisa vulgar na sua vida. Uma experiência. E que quando viu a perfídia de levar a cabo um romance fingido com esse fim, terminou a relação para não magoar uma mulher real e apaixonada.

Isto é tudo muito bonito. Eu aprecio. Mas expliquem lá um bocadito melhor, se faz favor. Ou, na minha expressão anglófona favorita: Come again?

Eu até papava esta história, Nandinho, não fora o facto de te teres envolvido com ela 2 vezes com 9 anos de diferença entre elas. Ah pois... A primeira em 1920 e a segunda em 1929. Sendo que esta última vez dura 2 anos. E é esta vez que Álvaro não acha muita piada. Alguém que está apenas a fazer uma 'experiência' e tem um rebate de consciência, faz apenas uma vez, Nando, n'é?

Mas não sou eu que vou analisar os teus motivos que eu acho que nestas coisas do coração, cada um sabe de si. Mas a cena de usares um outro 'tu' para tratares do dirty work... Isso, Nandinho, é baixo. Baixinho, mesmo...

Abaixo estão duas cartas dos arqui-inimigos - Ophélia e Álvaro - onde me parece que tínhamos ali uma grande Gaija. Assim uma com cojones!


CARTA A OPHÉLIA QUEIROZ – 25 DE SETEMBRO DE 1929

Exma. Senhora D. Ophélia Queiroz:    

Um abjecto e miserável indivíduo chamado Fernando Pessoa, meu particular e querido amigo, encarregou-me de comunicar a V. Ex.ª — considerando que o estado mental dele o impede de comunicar qualquer coisa, mesmo a uma ervilha seca (exemplo da obediência e da disciplina) — que V. Ex. ª está proibida de:

(1) pesar menos gramas,

(2) comer pouco,

(3) não dormir nada,

(4) ter febre,

(5) pensar no indivíduo em questão.   

Pela minha parte, e como íntimo e sincero amigo que sou do meliante de cuja comunicação (com sacrifício) me encarrego, aconselho V. Ex.ª a pegar na imagem mental, que acaso tenha formado do indivíduo cuja citação está estragando este papel razoavelmente branco, e deitar essa imagem mental na pia, por ser materialmente impossível dar esse justo Destino à entidade fingidamente humana a quem ele competiria, se houvesse justiça no mundo.

   Cumprimenta V. Ex. ª

   Álvaro de Campos

eng. Naval

E A RESPOSTA DE OPHÉLIA QUEIROZ A ÁLVARO DE CAMPOS

Ex.mo Senhor Engenheiro Álvaro de Campos,
Permita-me que discorde por completo com a primeira parte da sua carta, porque, nem posso consentir que Vª Exª trate o Ex.mo Sr. Fernando Pessoa, pessoa que muito prezo, por abjecto e miserável indivíduo nem compreendo que, sendo seu particular e querido amigo o possa tratar tão desprimosamente. Como vê estamos sempre em completa desarmonia, nem podia deixar de ser, pedindo-lhe por especial fineza, que não volte a escrever-me. Quanto às observações que me faz, como foram ditadas pelo Sr. Fernando Pessoa, farei quanto em mim caiba por lhe ser agradável. Agradeço o conselho que me dá, mas já que me puxa pela língua, deixe-me dizer-lhe que quem eu de boa vontade há muito tempo teria, não deitado na pia, mas debaixo dum comboio, era Vª Exª
Esperando não o tornar a ler, subscreve-se com respeito a 26-09-1929,
Ofélia Queiroz

2 comentários:

Anónimo disse...

As coisas que eu aprendo contigo...
HK

Iceberg disse...

;)

Ice Maria, a fazer pessoas felizes desde mil nove e setenta e cinco!